segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Os dias leves


Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

Fernando Pessoa

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Attente

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Postal de Natal



Em "Biglietto di Natale a M.L.", o destinatário contido nas iniciais é Maria Luisa Spaziani. Mas no poema só sabemos que se trata de "Maria Luisa".
«Maria Luisa, quante volte/ Raccoglieremo questa nostra vita/ Nella pietà di un verso»
Não sabemos se «recolheremos» se refere a um acto de escrita - tanto Maria Luisa Spaziani como Cristina Campo são poetas - ou a um acto de leitura. Mas o destinatário do postal, porque o poema também se pode referir a si próprio, talvez seja igualmente o próprio leitor. O poema trata-o por tu, endereça-se a quem recolha nele a sua vida.
Pelo menos é sempre assim que o recito na minha memória. E me lembro de ter passado tantas vezes na mesma praça, quando era menino, com os meus avós, os meus pais e os meus primos. E de o tempo regressar. «Noi che viviamo senza fine.»