segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Ne Travaillez Jamais





Poema de um funcionário cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só

António Ramos Rosa

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Lições de Lógica Elementar



Em L'écume des jours de Boris Vian, Chick recusa ir com a namorada Alise a um encontro com Colin. Falta um segundo elemento feminino que restabeleça o equilíbrio.
« - Très bien, dit Chick. Mais si tu crois que je vais accepter une proposition comme ça, tu te forges une fausse conception de l'univers. Il faut te trouver une quatrième. Je ne vais pas laisser Alise aller chez toi, tu la séduirais avec les harmonies de ton pianocktail et je ne veux pas de ça.»
Todas «as concepções falsas do universo» devem ser destruídas, neste romance em que se pescam enguias e trutas nas torneiras, os cozinheiros têm enorme prestígio profissional e os professores universitários são considerados a desgraça da família.
O resumo do livro: «Só existem duas coisas na vida: o amor, de todas as formas, com mulheres bonitas, e a música de New Orleans e Duke Ellington. Tudo o resto deveria desaparecer, porque tudo o resto é feio»