segunda-feira, 28 de abril de 2008

Os peregrinos

São dois os peregrinos: o vagabundo e o menino.
O menino pergunta a si mesmo quanto tempo tem ainda de esperar até ser como o vagabundo. Aprende a pedir: a acção do peregrino.
O vagabundo passa pela casa do menino sem entrar. Passa ao largo da janela onde arde a vela e segue pela estrada sozinho.
E o menino, no seu coração, aprende a solidão do peregrino.
A vela é o símbolo do caminho.


O silêncio entre nós e o mundo


Talvez seja a maravilha da continuidade do mundo. Quando nos vamos deitar para ser "amanhã" mais depressa. Cantamos a nossa carta - em sonhos - e as palavras atravessam a noite. No dia seguinte, não sabemos se dormimos ou se estivemos sempre acordados, ao encontrarmos de novo as palavras, tão puras, na esquina da cidade, e a presença das árvores.


quarta-feira, 23 de abril de 2008

To the unknown voice




Existe um lugar secreto e frágil, como um coração. Um lugar transparente como a brisa de fim de tarde, apenas visível nas folhas das árvores. Um lugar que não se pode tocar sem que desapareça, como uma constelação de sal na pele ou o beijo da tia no fim de um dia de praia.
Há muitos séculos que o procuramos. Mal tocámos a Terra pela primeira vez, já ansiávamos por ele. Como se fosse a nossa sombra. Ou o silêncio entre nós e o mundo.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Dois Poemas


In Memoriam Ana Macedo

E a morte perderá o seu domínio

E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.


E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a fé
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.


E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corola em direcção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio.


Dylan Thomas (trad. Fernando Guimarães)

Do not go gentle into that good night


Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

Dylan Thomas

domingo, 6 de abril de 2008

Para ti

Para ti, minha queridíssima, minha amada tia. Foste a pessoa mais importante da minha vida. O mundo não merece o teu nome.
Tu não morreste, tia. Não podes. Nunca te esquecerei. Dou-te um beijinho e desejo-te boa noite.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Spring time is best

Energeia (II)

Energeia

Auto-retrato em Espelho Convexo de Parmigianino
mostrado em aula para ilustrar o maneirismo.



Na Faculdade de Letras, às oito da manhã, para quem quisesse ouvir, a professora Isabel Almeida dava indicações de leitura preciosas: a Política de Aristóteles, o Discurso sobre a Dignidade do Homem de Giovanni Pico della Mirandola e O Humanismo Italiano de Eugenio Garin. Falava sobre a leveza de Boccaccio e o peso de Dante. O Largo de Camões, onde a escultura do Vate se encontra, meritoriamente, acima de todos os escritores da sua época. E, sobretudo, entregava-se de forma total à acção de dar aulas, o que, é bem capaz de ser, a energeia de Aristóteles, que ela me ensinou estar tão presente nos Sermões do Padre António Vieira.