segunda-feira, 16 de julho de 2007

O amor que move os astros




Sonhei que estava em Florença. Era um sonho tão real que conseguia sentir o calor da atmosfera na pele, o ruído dos autocarros e todos os cheiros da cidade. Tinha levitado: abrira-se uma escada no céu e eu percorria as ruas florentinas como se me bastasse pôr um pé atrás do outro.
Acabara de sair da estação de Santa Maria Novella. Estava já na Piazza dell'Unità. "Amo-te no intenso tráfego/Com toda a poluição no sangue." No comboio uma rapariga italiana tinha-me perguntado a mim, um português, se estávamos a chegar a Florença. "Andiamo a vedere questa Firenze", disse para os amigos.
Vou passar pela catedral de Santa Maria del Fiore, pela Piazza San Giovanni, o fugídio mármore toscano nos meus olhos. Como te conseguiram os homens erguer no ar? Como é possível a Beleza permanecer tanto tempo no mesmo sítio? Entrar no Duomo é como entrar no coração da cidade.
«Chi si introduce nel mio ventre / esce / lavorato dal sapere cristiano e dalla preghiera / di molte, molte generazioni».
Sigo para a Piazza della Repubblica. Vagueio. Orsanmichele. Numa destas ruas Dante viu Beatrice quando ela ainda era menina e não mais deixou de a amar. Ó cidade em que mesmo as ruas fora do centro se chamam Marsilio Ficino.
E que lhe disseste quando a encontraste num jardim de Florença, com um livro de Simone Weil no bolso para lhe ofereceres ? Palavras secretas que talvez a cidade continue a guardar. "Com os seus olhos muito claros voltados para o centro / Do amor, na operação poderosa /Do amor"
Hei-de voltar a casa pela Via dei Cerrettani, entrar na Feltrinelli e sentar-me a ler um bocado.

Nota:

Citações de poemas de Daniel Faria e Mario Luzi