segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Os dias leves


Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

Fernando Pessoa

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Attente

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Postal de Natal



Em "Biglietto di Natale a M.L.", o destinatário contido nas iniciais é Maria Luisa Spaziani. Mas no poema só sabemos que se trata de "Maria Luisa".
«Maria Luisa, quante volte/ Raccoglieremo questa nostra vita/ Nella pietà di un verso»
Não sabemos se «recolheremos» se refere a um acto de escrita - tanto Maria Luisa Spaziani como Cristina Campo são poetas - ou a um acto de leitura. Mas o destinatário do postal, porque o poema também se pode referir a si próprio, talvez seja igualmente o próprio leitor. O poema trata-o por tu, endereça-se a quem recolha nele a sua vida.
Pelo menos é sempre assim que o recito na minha memória. E me lembro de ter passado tantas vezes na mesma praça, quando era menino, com os meus avós, os meus pais e os meus primos. E de o tempo regressar. «Noi che viviamo senza fine.»

domingo, 30 de novembro de 2008

Gare Saint Lazare (1975)

Holodomor


Na Grande Fome da Ucrânia (Holodomor), em 1932-33, estima-se que cerca de seis milhões de pessoas tenham sido exterminadas pelo regime estalinista, devido à sua resistência à política de colectivização agrícola e ao apego à cultura e tradições nacionais. No passado dia 23 de Novembro, em que se lembrava o 75º aniversário, realizou-se, em Lisboa, uma oração pelas vítimas e uma marcha até à capela da Igreja Greco-Católica junto à Praça do Chile.

sábado, 8 de novembro de 2008

Bielorússia



Imagem de David Liuzzo


Aprendi o teu rosto, o teu olhar azul tão líquido, o teu país na distância, que dizem não ter mar.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

La rue Watt (2)


«Un jour j'achéterai quelques mètres carrés
Pour planter des tomates
Là-bas dans la rue Watt»

Boris Vian

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A Biblioteca

Vieira da Silva, Biblioteca

Diz George Steiner, em Errata, que somos como um quarto vazio, e precisamos de poemas, a aprender de cor, na etimologia pelo coração, como também se lê no inglês learn by heart ou no francês apprendre par coeur, para o mobilarmos. A poesia passa a fazer parte do nosso corpo, da nossa matéria mais íntima. Ou não houvesse uma cerimónia judaica de iniciação em que os meninos lambiam as tábuas da Escritura impregnadas de mel. E talvez esta seja uma das formas de compreender a exigência que Lévinas, de outra forma, apresenta: «Nunca nos devemos aproximar do Outro com as mãos vazias.»

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

L'uomo solo

L'uomo solo - che è stato in prigione - ritorna in prigione
Ogni volta che morde in un pezzo di pane.
In prigione sognava le lepri che fuggono
Sul terriccio invernale. Nella nebbia d'inverno
L'uomo vive tra muri di strade, bevendo
Acqua fredda e mordendo in un pezzo di pane.

Uno crede che dopo rinasca la vita,
Che il respiro si calmi, che ritorni l'inverno
Con l'odore del vino nella calda osteria,
E il buon fuoco, la stalla, e le cene. Uno crede,
Fin che è dentro uno crede. Si esce fuori una sera,
E le lepri le han prese e le mangiano al caldo
Gli altri, allegri. Bisogna guardarli dai vetri.

L'uomo solo osa entrare per bere un bicchiere
Quando proprio si gela, e contempla il suo vino :
Il colore fumoso, il sapore pesante.
Morde il pezzo di pane, che sapeva di lepre
In prigione, ma adesso non sa più di pane
Né di nulla. E anche il vino non sa che di nebbia.

L'uomo solo ripensa a quei campi, contento
Di saperli già arati. Nella sala deserta
Sottovoce si prova a cantare. Rivede
Lungo l'argine il ciuffo di rovi spogliati
Che in agosto fu verde. Dà un fischio alla cagna.
E compare la lepre e non hanno più freddo.

Cesare Pavese



terça-feira, 30 de setembro de 2008

Calendário


A «alquimia dos dias», chamava-lhe Cristina. O que dos nossos gestos, do rosto dos nossos amigos, das nossas dúvidas, dos nossos amores, se transmuta no tempo. O que é «transportado» para outro dia. E o que se perde.

sábado, 20 de setembro de 2008

Retrato de Cristina (2)

Hugo van der Goes, Trittico dei Portinari (detalhe)
A rapariga que passa, devorada pela cidade. A interpelação da ausência, as «estrelas extintas de que todos vivemos». De que viveremos se não de um poema?

domingo, 7 de setembro de 2008

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O mar não banha Nápoles

Imagens do porto de Nápoles

Tive pena de não nos termos podido encontrar na «terra dos limões», Francesca. Havia notícias que só tu me podias dar, lugares que só tu me poderias fazer ver, aqueles onde «la bellezza va ricercata», lembras-te?
Gostei muito de Amalfi. É uma daquelas cidades onde não sabemos por que caminho chegámos, apenas que estamos lá. Tudo o que é belo é inesperado, caso contrário não deixaria a impressão de «novidade» e «acontecimento» no espírito, não achas? De qualquer forma, «aparição» é uma palavra que quadra bem a esta cidade debruçada sobre um porto.
Nápoles vi-a em plena «controra», caminhando pela Via Toledo com o Alfonso, o suor a escorrer em bica, à procura da Feltrinelli. Não sei se é uma cidade feliz. Sei que caminhando se chega ao mar, à proximidade do Vesúvio, a Santa Lucia. E talvez já «o mar banhe Nápoles» outra vez.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

La bellezza salverà il mondo (4)




"La bellezza salverà il mondo"
F.M. Dostoevskij


Obra do artista português Manuel Cargaleiro, realizada nas oficinas de cerâmica tradicional de Vetri Sul Mare. A testemunhar aqui, na Costa de Amalfi, as razões do Direito e do Ambiente, a mobilização civil dos movimentos unidos no comité ecologista Costa Amalfitana, a determinação da administração local e da comunidade contra o incauto projecto, há vinte anos, de fazer perfurações com vista a pesquisas de petróleo. Hoje, conseguida a vitória dos interesses defendidos com a tutela de uma lei do Estado e o reconhecimento pela UNESCO do estatuto de Património da Humanidade, em nome de todas as populações, a comunidade da península amalfitana inaugura esta obra.
Amalfi
26-V-2005

sábado, 2 de agosto de 2008

Para ti

In Memoriam Ana Macedo

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 26 de julho de 2008

La rue Watt


Une rue bordée d'colonnes
Où y a jamais personne
Y a simplement en l'air
Des voies de chemin d'fer
C'est une rue couverte
C'est une rue ouverte
C'est une rue déserte








Au bout de Paris
Près d'la gare d'Austerlitz
Vierge et vague et morose
La rue Watt se repose

Un jour j'acheterai
Quelques mètres carrés
Pour planter mes tomates
Là-bas dans la rue Watt
La rue Watt

Palavras da canção La rue Watt de Boris Vian

Desenhos de Jacques Tardini






segunda-feira, 21 de julho de 2008

A Dívida

Muito obrigado à Zhìhuì, «teacher of the inner language». Não é todos os dias que se recebem presentes.

sábado, 19 de julho de 2008

Lisboa (3)



«In any case, we don't live in Paris, we don't live in Warsaw, although those geographies may define our actual location. We live in other places that are more intimate and more real and more authentic than whatever the official culture defines us as.These are songs about the little places, the little loves, the little corners.»
.
Leonard Cohen num concerto em Varsóvia com Anjani Thomas

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Rua do Ouro

Esta rua fez um ano no fim do mês passado. É uma rua escondida, pequena, sem grande importância, ao contrário da outra Rua do Ouro. Gosto dela assim. Como em todas as ruas, há pessoas que passam por aqui e se cruzam sem se conhecerem,e, às vezes, sem sequer saberem da existência umas das outras.
Uma das coisas boas das ruas é que não têm dono. Até se poderia pensar que são sempre diferentes, consoante o transeunte. Mas não. As ruas são sempre as mesmas. Gostava, então, que este poema, dedicado a todos os estranhos que passam, fosse uma árvore nesta Rua do Ouro. As pessoas hão-de passar pela árvore, e algumas seguirão apressadas, sem reparar nela, enquanto outras pararão a olhar, encantadas, a fímbria de luz das folhas. Mas a árvore estará lá sempre, de noite e de dia, independentemente do olhar de quem vê, no mesmo sítio do passeio. À espera que lhe digam «olá». É essa a sua maravilha. Tal e qual um poema, vejam só!
.
To a Stranger

Passing stranger! you do not know how longingly I
look upon you,
You must be he I was seeking, or she I was seeking, (it
comes to me, as of a dream,)
I have somewhere surely lived a life of joy with you,
All is recall’d as we flit by each other, fluid, affectionate,
chaste, matured,
You grew up with me, were a boy with me, or a girl
with me,
I ate with you, and slept with you—your body has
become not yours only, nor left my body mine only,
You give me the pleasure of your eyes, face, flesh, as we
pass—you take of my beard, breast, hands, in
return,
I am not to speak to you—I am to think of you when I
sit alone, or wake at night alone,
I am to wait—I do not doubt I am to meet you again,
I am to see to it that I do not lose you.
.
Walt Whitman

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Krasota spazyot mir (3)

«O absoluto da linguagem litúrgica corresponde ao absoluto da linguagem aparentemente irracional, mas, na realidade, dotada de uma grande razão. Ou seja, a razão de Deus, do Destino, do Karma ou da Liberdade (...) Provavelmente também a grande razão da plenitude, da completude como intensidade de percepção, que permite ver toda a trama do tapete. Pela qual o tapete se torna uma mandala com um centro, um significado (...) e uma beleza próprias. Ou seja, a beleza que salvará o mundo, da qual falava Dostoievski».
Gianfranco Draghi, Cristina Campo na Memória de Gianfranco Draghi

domingo, 29 de junho de 2008

Carta (3)



«Eu dormia, mas de coração desperto.»
(Ct 5,2)

sábado, 21 de junho de 2008

Advertência



Antes da sua novela Le voci della sera, a escritora italiana Natalia Ginzburg insere uma pequena nota, para avisar o leitor que as personagens e o lugar da história não são reais. E logo acrescenta: «E tenho muito pena que não o sejam, porque os amei como se fossem reais». O que é outra forma de dizer o que é a ficção.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Pleasant Street


Mesmo nas tardes de Verão
Em que suávamos os dois
Pássaros dispersos
Sem localização precisa
No espaço e no tempo
.

Havia, ainda assim, os
Limites dos prédios
A arquitectura

.

Quando eu me prendia
Com um gancho
À doçura das paredes
Do teu rosto

.

E os pássaros
Perdiam a dor
Na imobilidade
Das tuas árvores.

sábado, 14 de junho de 2008

Jazz in painting

Mondrian, Broadway Boogie-Woogie (1942-1943)



Jackson Pollock, Number 7, 1951







quinta-feira, 5 de junho de 2008

Ao pequeno-almoço

Larry Beckett conta que chegou à mesa em que Tim tomava o pequeno-almoço e lhe entregou o texto. Tim pegou na guitarra e cantou a canção mais ou menos com a forma que tem hoje. Como se a música jorrasse pura da sua mente. As pessoas que assistiam à cena pasmavam, ao ver nascer uma canção tão bela à sua frente, de um momento para o outro.

domingo, 1 de junho de 2008

Os mansos



«Go down, Moses,
Way down in Egyptland
Tell old Pharaoh
To let my people go»
Espiritual Negro



Somos animais mansos. Ao fim do dia, juntamo-nos nos lugares para onde fomos conduzidos. Na estação de comboios, sentamo-nos em grupos nas escadas do átrio e nos muros. Uma babel de vozes enche o espaço em torno de nós. Somos os únicos a habitar os lugares públicos desta cidade. Somos os que não pertencem à cidade, que não têm dinheiro para se sentar dentro dos cafés. E têm de inventar bancos de jardim e ágoras. Não nos interessamos por turismo, pois estamos demasiado longe de toda a beleza. A Beleza não é compatível com os nossos horários. Então, na nossa língua eslava, dizemos os nomes por cima do vazio, inventamos pontes e reconhecemo-nos uns aos outros. Somos animais mansos.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Footsteps

quarta-feira, 21 de maio de 2008

As Formigas




Imagens do jornal do 4º B EB S. José

Houve aquele dia em que os pais de um aluno me disseram que o filho gostava muito do professor de Inglês. Eu desci feliz a Avenida da Liberdade, para ir ter com a Sandra, a absoluta continuidade das ruas, passo após passo.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Retrato de Cristina

Ponte S. Trinità, Florença
«Dois mundos/e eu venho do outro»


Que memória de Cristina permanece afinal em Gianfranco Draghi, o amigo poeta, agora já não no poeta amigo. Quando pensas na tua companheira de viagem, que já não está entre nós, qual é a primeira veste da sua aparição?

Vejo Cristina num dia preciso, em que não estava bem, quando me contava as suas coisas e vejo-me a mim a escutar, com ternura, simpatia e atenção.
Vejo Cristina com intensidade nesta imagem, nos seus pequenos gestos, ou também quando tentou publicar-me «Infância», sem o conseguir. Recordo tê-la visto na rua com Mario Luzi e Leone Traverso, os três juntos, no outro lado da ponte e de me ter dito que tinha consigo o manuscrito e o levava a Vallecchi...
Recordo tantos destes gestos, que exprimem ao mesmo tempo estima e simpatia, participação. O seu sorriso, o seu sorriso tão verdadeiro, longínquo, no outro lado da ponte.

Entrevista de Arturo Donati, Cristina Campo na memória de Gianfranco Draghi

domingo, 4 de maio de 2008

Pietà

Chagall Red Pietà (1956)





segunda-feira, 28 de abril de 2008

Os peregrinos

São dois os peregrinos: o vagabundo e o menino.
O menino pergunta a si mesmo quanto tempo tem ainda de esperar até ser como o vagabundo. Aprende a pedir: a acção do peregrino.
O vagabundo passa pela casa do menino sem entrar. Passa ao largo da janela onde arde a vela e segue pela estrada sozinho.
E o menino, no seu coração, aprende a solidão do peregrino.
A vela é o símbolo do caminho.


O silêncio entre nós e o mundo


Talvez seja a maravilha da continuidade do mundo. Quando nos vamos deitar para ser "amanhã" mais depressa. Cantamos a nossa carta - em sonhos - e as palavras atravessam a noite. No dia seguinte, não sabemos se dormimos ou se estivemos sempre acordados, ao encontrarmos de novo as palavras, tão puras, na esquina da cidade, e a presença das árvores.


quarta-feira, 23 de abril de 2008

To the unknown voice




Existe um lugar secreto e frágil, como um coração. Um lugar transparente como a brisa de fim de tarde, apenas visível nas folhas das árvores. Um lugar que não se pode tocar sem que desapareça, como uma constelação de sal na pele ou o beijo da tia no fim de um dia de praia.
Há muitos séculos que o procuramos. Mal tocámos a Terra pela primeira vez, já ansiávamos por ele. Como se fosse a nossa sombra. Ou o silêncio entre nós e o mundo.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Dois Poemas


In Memoriam Ana Macedo

E a morte perderá o seu domínio

E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.


E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a fé
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.


E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corola em direcção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio.


Dylan Thomas (trad. Fernando Guimarães)

Do not go gentle into that good night


Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

Dylan Thomas

domingo, 6 de abril de 2008

Para ti

Para ti, minha queridíssima, minha amada tia. Foste a pessoa mais importante da minha vida. O mundo não merece o teu nome.
Tu não morreste, tia. Não podes. Nunca te esquecerei. Dou-te um beijinho e desejo-te boa noite.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Spring time is best

Energeia (II)

Energeia

Auto-retrato em Espelho Convexo de Parmigianino
mostrado em aula para ilustrar o maneirismo.



Na Faculdade de Letras, às oito da manhã, para quem quisesse ouvir, a professora Isabel Almeida dava indicações de leitura preciosas: a Política de Aristóteles, o Discurso sobre a Dignidade do Homem de Giovanni Pico della Mirandola e O Humanismo Italiano de Eugenio Garin. Falava sobre a leveza de Boccaccio e o peso de Dante. O Largo de Camões, onde a escultura do Vate se encontra, meritoriamente, acima de todos os escritores da sua época. E, sobretudo, entregava-se de forma total à acção de dar aulas, o que, é bem capaz de ser, a energeia de Aristóteles, que ela me ensinou estar tão presente nos Sermões do Padre António Vieira.


domingo, 30 de março de 2008

O jogo de berlinde


Pintura de Carlos Botelho


«Uma vez, ao anoitecer, naquele quarto de hora ligeiramente turvo em que os candeeiros de Nova Iorque acabam de ser ligados e as luzes de estacionamento dos carros começam também a acender-se - algumas a acenderem-se, outras ainda apagadas - estava eu a jogar berlinde com um rapaz chamado Ira Yankauer na parte mais afastada da ruela que ficava mesmo em frente do toldo da nossa casa. Eu tinha oito anos. Estava a utilizar a técnica de Seymour, ou a tentar - aquele jeito lateral, aquele processo de fazer com que o berlinde fizesse uma curva larga a caminho do berlinde do adversário - , e a perder sem apelo nem agravo. Sem apelo nem agravo e sem tristeza. É que era aquela altura do dia em que os rapazes de Nova Iorque se parecem muito com os de Tiffin, Ohio, que ouvem o apito de um comboio distante no preciso momento em que a última vaca é conduzida à corte. Nesse quarto de hora mágico, perder ao berlinde não é mais do que perder ao berlinde. Também Ira, penso eu, estava igualmente suspenso do tempo, e se assim era, tudo o que lhe podia acontecer era ganhar ao berlinde. Como se saído desta quietude e em perfeita sintonia com ela, Seymour chamou por mim. (...) Seymour estava parado no passeio, diante do toldo, virado para nós, balançando-se nas pernas arqueadas, com as mãos enfiadas nos bolsos do casaco debruado a pele de carneiro. Com as luzes do toldo por detrás dele, a sua cara ficava sombreada, esfumada. Pela maneira como se balançava na aresta do passeio, pela posição das mãos - bem, pela quantidade de x que havia nele, compreendi então, tal como agora, que estava imensamente consciente da hora mágica do dia. "Não podias tentar não fazer tanta pontaria?", perguntou-me, ainda parado. "Se acertares fazendo pontaria, não passará de sorte." Falava, comunicava, e no entanto não quebrava o feitiço. Fui eu que então o quebrei. "Como é que pode ser sorte se eu faço pontaria?, retorqui, sem ser em voz alta (apesar dos itálicos) mas com bastante mais irritação na voz do que realmente sentia. Ficou um momento sem dizer nada, balançando-se simplesmente no passeio e olhando para mim com amor, como pressenti. "Porque sim", disse. "Ficavas contente se acertasses no berlinde dele - no berlinde de Ira -, não é verdade? Não é verdade que ficavas contente? E se ficas contente quando acertas no berlinde de alguém, então é porque secretamente não esperas muito isso. Portanto, terá de haver alguma sorte nisso, terá de ser por acaso." Desceu do passeio, com as mãos ainda enterradas nos bolsos do casaco, e aproximou-se de nós. (...)»


Salinger, J.D., Carpinteiros Levantem Alto o Pau de Fileira e Seymour (uma introdução), Quetzal Editores, Lisboa: 1991, pp. 178-181

segunda-feira, 24 de março de 2008

Bush, companheiro !

Não gosto muito de escrever sobre política "strictu sensu". Mas aqui fica a canção de Tom Zé, dedicada a uma pessoa que, infelizmente, está demasiado presente na vida de todos nós.

domingo, 16 de março de 2008

Escada para o Céu

sábado, 15 de março de 2008

Carta (2)

Bem-vindo, bebé.

Nasceste ontem, José, faltavam dez para as sete, e desde então existe no mundo «um novo começo». Não te esqueças nunca de que «és o Acontecimento, a infância misturada dos teus pais», como escreveu Jean-François Lyotard e, melhor do que eu, te poderá explicar a tua mãe, professora de Filosofia.
Que o mundo te chame muitas vezes, e te procure, todas as noites, se às vezes estiveres triste, para que possas estar no coração da vida, e não haja intervalos entre ti e os dias. Que aprendas a ser um justo, para que a tua vida possa ser uma parábola para os Homens. Que tenhas em abundância os bens da terra e os possas multiplicar pelos dons da amizade e do amor, para que «nunca te aproximes dos Outros com as mãos vazias». Que saibas reconhecer a Beleza e o Sofrimento. E que todos os teus sonhos se tornem realidade.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Léo por Luiza

Tradução da canção muito bela de Léo Ferré pela grande poeta portuguesa Luiza Neto Jorge.


Tinhas umas mãos q'eram umas raquettes

Pépée

E sempre qu'eu te cortava as unhas

Apareciam flores na tua barbicha

Tinhas as orelhas dele, do Gainsbourg

Mas tu, para as dobrares à noite

Não precisavas de scotch

Ao passo qu'ele... já se vê! ...

Pépée



Tinhas uns olhos qu'eram umas vigias

Pépée

Com'as que se vêem no porto d'Anvers

Quand'os marinheiros com alma travessa

Olhos sobressalentes precisam de ter

Para a noite alheia muito melhor ver

Para melhor ver um chimpanzé

Em casa dos Ferré

Pépée



Tinhas um coração com'um tambor

Pépée

Dos que batem baixo sexta de Paixão

Às três da tarde a ver

Jesus o figurão

Soprar as suas trinta e três velinhas

Enquanto que tu só oito tinhas

Em sete de Abril

De sessenta e oito

Pépée



Gostava de ter as mãos da morte

Pépée

E também os olhos e o coração

Para vir deitar-me ao pé de ti

Que o cenário meu não é diferente

Pois co'os mortos sempre dorme a gente

Pépée

terça-feira, 4 de março de 2008

Rio Grande do Sul - Lisboa - Isle of Man

A Joanna voltou a Lisboa depois de seis meses no Brasil. «Com o português arruinado», diz o Carlos, que é angolano. O facto é que seis meses foram suficientes para deixar de flexionar a segunda pessoa do singular e passar a dizer coisas como «tu fala», segundo a norma do Rio Grande do Sul, e a exclamar «legau» (assim, com o -l- velarizado) em resposta às minhas patetices.
Agora, a minha amiga, que cresceu na Ilha de Man, bem ao Norte da Grã-Bretanha, acha que numa noite com quinze graus faz muito frio. O Brasil deixou as suas marcas... E no entanto, a Joanna não se coíbe de se queixar de ser mordida por um mosquito, no Chiado, depois de ter andado dias a fio enfiada na selva amazónica, onde dormia ao relento, após aplicar no rosto repelente para insectos.
A Joanna voltou a Lisboa com histórias de pessoas muito pobres e muito boas. Um dia por mês o bilhete do ónibus é gratuito e os habitantes das redondezas invadem a vila. Nesse dia, fecham todas as lojas, com medo dos visitantes indesejáveis.Dia sim, dia sim, come-se feijão com arroz. O que me fez lembrar uma cantilena dos meninos de um livro do Érico Veríssimo:«Um, dois, feijão com arroiz/Um, dois, feijão com arroiz» As famílias são numerosas e muito hospitaleiras. E as crianças gostam muito da escola, ao contrário do que acontece na Europa, diz a Joanna, que deu aulas de Inglês.

segunda-feira, 3 de março de 2008

The Catcher in the Rye


«'You know that song "If a body catch a body comin' through the rye"? I'd like - '
'It's "If a body meet a body coming through the rye"!' old Phoebe said. 'It's a poem. By Robert Burns.'
'I know it's a poem by Robert Burns.'
She was right, though. It is 'If a body meet a body coming through the rye.' I didn't know it then, though.
'I thought it was "If a body catch a body,"' I said. 'Anyway, I keep picturing all these little kids playing some game in this big field of rye and all. Thousands of little kids, and nobody's around - nobody big, I mean - except me. And I'm standing on the edge of some crazy cliff - I mean if they're running and they don't look where they're going I have to come out from somewhere and catch them. That's all I'd do all day. I'd just be the catcher in the rye and all. I know it's crazy, but that's the only thing I'd really like to be. I know it's crazy.'»

Salinger, J.D., The Catcher in the Rye, Penguin Books, p. 156

sábado, 23 de fevereiro de 2008

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Revolução!

Ultimamente gosto de ir para a escola mais cedo e ficar a falar com as crianças no pátio do recreio. O Inácio, um menino da terceira classe, muito peculiar, está invariavelmente sozinho, com um ar absorto e pensativo, a caminhar pausadamente. Pergunto-lhe sempre se está a reflectir. Ontem, de repente, dou por ele, no pátio da escola, de mão dada com cinco ou seis crianças, como se enfrentassem a polícia de choque numa manifestação, todos a gritarem: "Revolução! Revolução! Revolução!". Tenho a certeza de que foi o pequeno Inácio a recrutar os militantes. Juro que não foi ideia minha! Longe de mim transmitir as minhas ideias anarquistas aos meninos... Mas claro que fiquei orgulhoso...
A Salomé, de seis anos, por seu lado, estava um bocadinho triste. A sua melhor amiga não tinha ido à escola. Eu disse-lhe que, assim, quando visse outra vez a amiga ia ficar ainda mais feliz, porque esperar pelos amigos é uma coisa boa. A Salomé desenha muito bem. Será com certeza pintora, porque tem um verdadeiro dom. Estava preocupada de não se conseguir lembrar bem do rosto da amiga, para a desenhar, quando chegasse a casa.
Estive também a falar com o amigo invisível do João Alberto, também de seis anos, que tem o mesmo nome e os mesmos poderes mágicos do João. Acederam amavelmente a dar-me os mesmos poderes. De modo que agora podemos os três voar, ficar invisíveis e "bater em tipos".
Tudo isto no espaço de quinze minutos. "Just imagine!"

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Nighthawks

Histórias da América: vagabundos, camionistas, loners e o território dos subúrbios. Contadas por uma personagem embriagada, com o cigarro na mão, sob o efeito narcótico de detergentes. Anedotas divertidíssimas e de gosto duvidoso. Mais "beat" do que isto não há.






quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

«Krasota spasyot mir» (2)

O esterco do mundo
Tenho amigos que rezam a Simone Weil
Há muitos anos reparo em Flanery O'Connor
Rezar deve ser como essas coisas
que dizemos a alguém que dorme
temos e não temos esperança alguma
só a beleza pode descer para salvar-nos
quando as barreiras levantadas
permitirem
às imagens, aos ruídos, aos espúrios sedimentos
integrar o magnífico
cortejo sobre os escombros
Os orantes são mendigos da última hora
remexem profundamente através do vazio
até que neles
o vazio deflagre
São Paulo explica-o na Primeira Carta aos Coríntios
«até agora somos o esterco do mundo»,
citação que Flannery trazia à cabeceira
José Tolentino Mendonça

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

L'écume des jours (2)

E Chloe morre,depois da lua-de-mel, quando lhe cresce um nenufar no pulmão. Colin é obrigado a vender o pianocktail: tem de trabalhar para ganhar a vida.
E todos nós tocamos o trompete de Boris Vian. Porque a única música que vale a pena é também a música mais triste do mundo.

Cor, Cordis




Por ti pendurei o quadro de uma bailarina

E estive acordado toda a noite

A saber de cor as paredes do teu coração

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

A Música das Palavras

Retrato de Sophia por Arpad Szenes

No documentário sobre Sophia recentemente exibido na TV 2, Manuel Alegre conta o seu último encontro com a grande poetisa, já no hospital. A esposa pediu-lhe para declamar poesia e ele começou: «Ia e vinha/E a cada coisa perguntava» e Sophia responde: «Que nome tinha». Diz também Camões, mas a certa altura Sophia já não se lembra das palavras, só da música, do ritmo, que trauteava, o que, diz o autor de Praça da Canção, é «o melhor símbolo da Poesia», que ela encarnava.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Século XX

Para a Sarah


The Fabulous Baker Boys, de Steve Kloves (1989), com Jeff Bridges, Beau Bridges e Michelle Pfeiffer

No telhado de um prédio de apartamentos miseráveis, Jeff Bridges fala com uma menina de nove ou dez anos. Nesse diálogo sabemos que a infância está ao nosso largo, como a cidade a perder de vista, mas que é imponderável.
Na noite anterior, Jeff tinha estado a tocar jazz num bar de amadores. Pequeno e informal. Curvado sobre o seu piano, absolutamente concentrado, escavava sempre mais fundo na dor, com uma espécie de sexto sentido invisível. Acompanhava uma desconhecida que tinha subido ao palco para cantar. Sublinhava as intenções da voz, desenvolvia-as, por baixo, subterraneamente. Havia uma distância entre as notas do piano e a voz, uma independência nas mãos do pianista, uma melancolia naquela variação do tema, enquanto prosseguia sozinho o que a voz tinha anunciado. Os músicos de jazz chamam-lhe swing. O prosseguimento da beleza em território desconhecido, o desenho de uma arquitectura instantânea e efémera, «just for the kicks».
Enquanto caminhava na rua deserta, às quatro da manhã, em direcção a casa, Jeff sentia-se momentaneamente satisfeito. Fumava um cigarro e pensava como se menospreza o sentido de estar vivo, como tudo vale a pena só para se poder sentir a solidão, o ecoar dos próprios pensamentos na noite vazia, o orgulho da própria presença. Mas sabia que era só uma questão de tempo, até chegar a casa, rodar a chave na fechadura, levantar-se no dia seguinte e subitamente deixar de se sentir imbuído em Beleza. Porque existe um desvão na escada da mente para o coração e há qualquer coisa de nós que fica sempre de fora da arquitectura da música, que é a razão pela qual os músicos de jazz depois de um set dizem sempre com as letras todas “Foda-se!”, com descontracção, sem descontracção não há swing, «foda-se» para a melancolia do mundo. Mais tarde, Michelle Pfeiffer acusá-lo-á: «Eu vi-te ontem à noite a repassar os sonhos. Tens talento, não tens? Mas vendes-te a tocar com o teu irmão e comigo música de cocktail em hotéis.»
A menina mora no andar de cima. Costuma descer pela janela e entrar no apartamento de Jeff, quando a mãe leva para a cama mais um namorado. Nas ruas lá em baixo, no café da esquina, na tabacaria, nos bancos de jardim, ecoam em surdina as notas de piano da noite passada. Dos prédios para o telhado, a secção rítmica oscila, swinga, marca o tempo na distância da Memória para o Agora! Jeff Bridges olha a menina com o respeito que só a infância inspira. Jeff Bridges coloca o olhar como Frank Sinatra colocava a voz, e as duas figuras sentadas lado a lado são como uma canção, um standard, «My Funny Valentine» ou «In a Sentimental Way».








S/ Título (New York: 1985)

sábado, 5 de janeiro de 2008

Hospitalidade


« És meu convidado. É uma sorte teres-me encontrado. Eu também deveria ter feito quatro portas na minha casa, uma em cada parede, como fez Abraão.
- Para quê quatro portas?
- Para que os viandantes não tivessem dificuldades em encontrar a entrada.
- E tu, onde aprendeste essas histórias?
- Esta vem no Talmud, em qualquer parte da Mishá.»
Primo Levi, Se Não Agora, Quando?


O meu professor de Literatura Americana na Faculdade de Letras costumava citar muitas vezes, a propósito de Whitman, uma cena da Ilíada, em que, no meio de uma batalha, os dois heróis homéricos páram de lutar, porque descobrem que o pai de um deles fora hóspede do pai do outro. Porque, na Grécia Antiga, o dever de hospitalidade transmitia-se de pais para filhos.
Emmanuel Lévinas, filósofo judeu de origem lituana, em Totalidade e Infinito, a sua obra central, coloca o começo do Pensamento no acolhimento do Outro. O filósofo invoca, repetidas vezes, os direitos do «órfão, viúva e estrangeiro», presentes na Tora. Para Lévinas, o Rosto do Outro, ao trazer à mente a ideia de Infinito, pode ser a presença de Deus.
A palavra umbral vem do latim liminaris, que significa limite, mas também tem dentro o fogo do castelhano lumbre. E eu às vezes penso que a vida se faz nos umbrais das portas, onde primeiro o corpo encontra outro corpo, onde primeiro se entra na habitação.