Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
Fernando Pessoa
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
Os dias leves
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
Postal de Natal

domingo, 30 de novembro de 2008
Holodomor

sábado, 8 de novembro de 2008
Bielorússia
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
La rue Watt (2)
«Un jour j'achéterai quelques mètres carrés
Pour planter des tomates
Là-bas dans la rue Watt»
Boris Vian
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
A Biblioteca
Diz George Steiner, em Errata, que somos como um quarto vazio, e precisamos de poemas, a aprender de cor, na etimologia pelo coração, como também se lê no inglês learn by heart ou no francês apprendre par coeur, para o mobilarmos. A poesia passa a fazer parte do nosso corpo, da nossa matéria mais íntima. Ou não houvesse uma cerimónia judaica de iniciação em que os meninos lambiam as tábuas da Escritura impregnadas de mel. E talvez esta seja uma das formas de compreender a exigência que Lévinas, de outra forma, apresenta: «Nunca nos devemos aproximar do Outro com as mãos vazias.»
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
L'uomo solo
L'uomo solo - che è stato in prigione - ritorna in prigione
Ogni volta che morde in un pezzo di pane.
In prigione sognava le lepri che fuggono
Sul terriccio invernale. Nella nebbia d'inverno
L'uomo vive tra muri di strade, bevendo
Acqua fredda e mordendo in un pezzo di pane.
Uno crede che dopo rinasca la vita,
Che il respiro si calmi, che ritorni l'inverno
Con l'odore del vino nella calda osteria,
E il buon fuoco, la stalla, e le cene. Uno crede,
Fin che è dentro uno crede. Si esce fuori una sera,
E le lepri le han prese e le mangiano al caldo
Gli altri, allegri. Bisogna guardarli dai vetri.
L'uomo solo osa entrare per bere un bicchiere
Quando proprio si gela, e contempla il suo vino :
Il colore fumoso, il sapore pesante.
Morde il pezzo di pane, che sapeva di lepre
In prigione, ma adesso non sa più di pane
Né di nulla. E anche il vino non sa che di nebbia.
L'uomo solo ripensa a quei campi, contento
Di saperli già arati. Nella sala deserta
Sottovoce si prova a cantare. Rivede
Lungo l'argine il ciuffo di rovi spogliati
Che in agosto fu verde. Dà un fischio alla cagna.
E compare la lepre e non hanno più freddo.
Cesare Pavese
terça-feira, 30 de setembro de 2008
Calendário
sábado, 20 de setembro de 2008
Retrato de Cristina (2)
domingo, 7 de setembro de 2008
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
O mar não banha Nápoles
terça-feira, 19 de agosto de 2008
La bellezza salverà il mondo (4)
sábado, 2 de agosto de 2008
Para ti
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros se compram e se vendem
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
Sophia de Mello Breyner Andresen
sábado, 26 de julho de 2008
La rue Watt
Palavras da canção La rue Watt de Boris Vian
Desenhos de Jacques Tardini
segunda-feira, 21 de julho de 2008
sábado, 19 de julho de 2008
Lisboa (3)

quarta-feira, 9 de julho de 2008
Rua do Ouro
Passing stranger! you do not know how longingly I
I have somewhere surely lived a life of joy with you,
All is recall’d as we flit by each other, fluid, affectionate,
I ate with you, and slept with you—your body has
You give me the pleasure of your eyes, face, flesh, as we
I am to wait—I do not doubt I am to meet you again,
I am to see to it that I do not lose you.
sexta-feira, 4 de julho de 2008
Krasota spazyot mir (3)
domingo, 29 de junho de 2008
sábado, 21 de junho de 2008
Advertência

segunda-feira, 16 de junho de 2008
Pleasant Street
sábado, 14 de junho de 2008
quinta-feira, 5 de junho de 2008
Ao pequeno-almoço
Larry Beckett conta que chegou à mesa em que Tim tomava o pequeno-almoço e lhe entregou o texto. Tim pegou na guitarra e cantou a canção mais ou menos com a forma que tem hoje. Como se a música jorrasse pura da sua mente. As pessoas que assistiam à cena pasmavam, ao ver nascer uma canção tão bela à sua frente, de um momento para o outro.
domingo, 1 de junho de 2008
Os mansos
«Go down, Moses,
Way down in Egyptland
Tell old Pharaoh
To let my people go»
Espiritual Negro
Somos animais mansos. Ao fim do dia, juntamo-nos nos lugares para onde fomos conduzidos. Na estação de comboios, sentamo-nos em grupos nas escadas do átrio e nos muros. Uma babel de vozes enche o espaço em torno de nós. Somos os únicos a habitar os lugares públicos desta cidade. Somos os que não pertencem à cidade, que não têm dinheiro para se sentar dentro dos cafés. E têm de inventar bancos de jardim e ágoras. Não nos interessamos por turismo, pois estamos demasiado longe de toda a beleza. A Beleza não é compatível com os nossos horários. Então, na nossa língua eslava, dizemos os nomes por cima do vazio, inventamos pontes e reconhecemo-nos uns aos outros. Somos animais mansos.
quarta-feira, 21 de maio de 2008
quinta-feira, 15 de maio de 2008
Retrato de Cristina

segunda-feira, 28 de abril de 2008
Os peregrinos
São dois os peregrinos: o vagabundo e o menino.
O menino pergunta a si mesmo quanto tempo tem ainda de esperar até ser como o vagabundo. Aprende a pedir: a acção do peregrino.
O vagabundo passa pela casa do menino sem entrar. Passa ao largo da janela onde arde a vela e segue pela estrada sozinho.
E o menino, no seu coração, aprende a solidão do peregrino.
A vela é o símbolo do caminho.
O silêncio entre nós e o mundo
Talvez seja a maravilha da continuidade do mundo. Quando nos vamos deitar para ser "amanhã" mais depressa. Cantamos a nossa carta - em sonhos - e as palavras atravessam a noite. No dia seguinte, não sabemos se dormimos ou se estivemos sempre acordados, ao encontrarmos de novo as palavras, tão puras, na esquina da cidade, e a presença das árvores.
quarta-feira, 23 de abril de 2008
To the unknown voice

quarta-feira, 9 de abril de 2008
Dois Poemas
In Memoriam Ana Macedo
E a morte perderá o seu domínio
E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a fé
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corola em direcção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio.
Dylan Thomas (trad. Fernando Guimarães)
Do not go gentle into that good night
Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.
Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.
Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.
Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.
Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.
And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.
Dylan Thomas
domingo, 6 de abril de 2008
quarta-feira, 2 de abril de 2008
Energeia
domingo, 30 de março de 2008
O jogo de berlinde

Pintura de Carlos Botelho
«Uma vez, ao anoitecer, naquele quarto de hora ligeiramente turvo em que os candeeiros de Nova Iorque acabam de ser ligados e as luzes de estacionamento dos carros começam também a acender-se - algumas a acenderem-se, outras ainda apagadas - estava eu a jogar berlinde com um rapaz chamado Ira Yankauer na parte mais afastada da ruela que ficava mesmo em frente do toldo da nossa casa. Eu tinha oito anos. Estava a utilizar a técnica de Seymour, ou a tentar - aquele jeito lateral, aquele processo de fazer com que o berlinde fizesse uma curva larga a caminho do berlinde do adversário - , e a perder sem apelo nem agravo. Sem apelo nem agravo e sem tristeza. É que era aquela altura do dia em que os rapazes de Nova Iorque se parecem muito com os de Tiffin, Ohio, que ouvem o apito de um comboio distante no preciso momento em que a última vaca é conduzida à corte. Nesse quarto de hora mágico, perder ao berlinde não é mais do que perder ao berlinde. Também Ira, penso eu, estava igualmente suspenso do tempo, e se assim era, tudo o que lhe podia acontecer era ganhar ao berlinde. Como se saído desta quietude e em perfeita sintonia com ela, Seymour chamou por mim. (...) Seymour estava parado no passeio, diante do toldo, virado para nós, balançando-se nas pernas arqueadas, com as mãos enfiadas nos bolsos do casaco debruado a pele de carneiro. Com as luzes do toldo por detrás dele, a sua cara ficava sombreada, esfumada. Pela maneira como se balançava na aresta do passeio, pela posição das mãos - bem, pela quantidade de x que havia nele, compreendi então, tal como agora, que estava imensamente consciente da hora mágica do dia. "Não podias tentar não fazer tanta pontaria?", perguntou-me, ainda parado. "Se acertares fazendo pontaria, não passará de sorte." Falava, comunicava, e no entanto não quebrava o feitiço. Fui eu que então o quebrei. "Como é que pode ser sorte se eu faço pontaria?, retorqui, sem ser em voz alta (apesar dos itálicos) mas com bastante mais irritação na voz do que realmente sentia. Ficou um momento sem dizer nada, balançando-se simplesmente no passeio e olhando para mim com amor, como pressenti. "Porque sim", disse. "Ficavas contente se acertasses no berlinde dele - no berlinde de Ira -, não é verdade? Não é verdade que ficavas contente? E se ficas contente quando acertas no berlinde de alguém, então é porque secretamente não esperas muito isso. Portanto, terá de haver alguma sorte nisso, terá de ser por acaso." Desceu do passeio, com as mãos ainda enterradas nos bolsos do casaco, e aproximou-se de nós. (...)»
segunda-feira, 24 de março de 2008
Bush, companheiro !
Não gosto muito de escrever sobre política "strictu sensu". Mas aqui fica a canção de Tom Zé, dedicada a uma pessoa que, infelizmente, está demasiado presente na vida de todos nós.
domingo, 16 de março de 2008
sábado, 15 de março de 2008
Carta (2)
quarta-feira, 5 de março de 2008
Léo por Luiza
Tradução da canção muito bela de Léo Ferré pela grande poeta portuguesa Luiza Neto Jorge.terça-feira, 4 de março de 2008
Rio Grande do Sul - Lisboa - Isle of Man
segunda-feira, 3 de março de 2008
The Catcher in the Rye
«'You know that song "If a body catch a body comin' through the rye"? I'd like - '
'It's "If a body meet a body coming through the rye"!' old Phoebe said. 'It's a poem. By Robert Burns.'
'I know it's a poem by Robert Burns.'
She was right, though. It is 'If a body meet a body coming through the rye.' I didn't know it then, though.
'I thought it was "If a body catch a body,"' I said. 'Anyway, I keep picturing all these little kids playing some game in this big field of rye and all. Thousands of little kids, and nobody's around - nobody big, I mean - except me. And I'm standing on the edge of some crazy cliff - I mean if they're running and they don't look where they're going I have to come out from somewhere and catch them. That's all I'd do all day. I'd just be the catcher in the rye and all. I know it's crazy, but that's the only thing I'd really like to be. I know it's crazy.'»
Salinger, J.D., The Catcher in the Rye, Penguin Books, p. 156
sábado, 23 de fevereiro de 2008
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
Revolução!
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008
Nighthawks
Histórias da América: vagabundos, camionistas, loners e o território dos subúrbios. Contadas por uma personagem embriagada, com o cigarro na mão, sob o efeito narcótico de detergentes. Anedotas divertidíssimas e de gosto duvidoso. Mais "beat" do que isto não há.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
«Krasota spasyot mir» (2)
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
L'écume des jours (2)
E Chloe morre,depois da lua-de-mel, quando lhe cresce um nenufar no pulmão. Colin é obrigado a vender o pianocktail: tem de trabalhar para ganhar a vida.
E todos nós tocamos o trompete de Boris Vian. Porque a única música que vale a pena é também a música mais triste do mundo.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
A Música das Palavras
Retrato de Sophia por Arpad Szenessegunda-feira, 7 de janeiro de 2008
Século XX

Na noite anterior, Jeff tinha estado a tocar jazz num bar de amadores. Pequeno e informal. Curvado sobre o seu piano, absolutamente concentrado, escavava sempre mais fundo na dor, com uma espécie de sexto sentido invisível. Acompanhava uma desconhecida que tinha subido ao palco para cantar. Sublinhava as intenções da voz, desenvolvia-as, por baixo, subterraneamente. Havia uma distância entre as notas do piano e a voz, uma independência nas mãos do pianista, uma melancolia naquela variação do tema, enquanto prosseguia sozinho o que a voz tinha anunciado. Os músicos de jazz chamam-lhe swing. O prosseguimento da beleza em território desconhecido, o desenho de uma arquitectura instantânea e efémera, «just for the kicks».
Enquanto caminhava na rua deserta, às quatro da manhã, em direcção a casa, Jeff sentia-se momentaneamente satisfeito. Fumava um cigarro e pensava como se menospreza o sentido de estar vivo, como tudo vale a pena só para se poder sentir a solidão, o ecoar dos próprios pensamentos na noite vazia, o orgulho da própria presença. Mas sabia que era só uma questão de tempo, até chegar a casa, rodar a chave na fechadura, levantar-se no dia seguinte e subitamente deixar de se sentir imbuído em Beleza. Porque existe um desvão na escada da mente para o coração e há qualquer coisa de nós que fica sempre de fora da arquitectura da música, que é a razão pela qual os músicos de jazz depois de um set dizem sempre com as letras todas “Foda-se!”, com descontracção, sem descontracção não há swing, «foda-se» para a melancolia do mundo. Mais tarde, Michelle Pfeiffer acusá-lo-á: «Eu vi-te ontem à noite a repassar os sonhos. Tens talento, não tens? Mas vendes-te a tocar com o teu irmão e comigo música de cocktail em hotéis.»
A menina mora no andar de cima. Costuma descer pela janela e entrar no apartamento de Jeff, quando a mãe leva para a cama mais um namorado. Nas ruas lá em baixo, no café da esquina, na tabacaria, nos bancos de jardim, ecoam em surdina as notas de piano da noite passada. Dos prédios para o telhado, a secção rítmica oscila, swinga, marca o tempo na distância da Memória para o Agora! Jeff Bridges olha a menina com o respeito que só a infância inspira. Jeff Bridges coloca o olhar como Frank Sinatra colocava a voz, e as duas figuras sentadas lado a lado são como uma canção, um standard, «My Funny Valentine» ou «In a Sentimental Way».
sábado, 5 de janeiro de 2008
Hospitalidade
« És meu convidado. É uma sorte teres-me encontrado. Eu também deveria ter feito quatro portas na minha casa, uma em cada parede, como fez Abraão.
- Para quê quatro portas?
- Para que os viandantes não tivessem dificuldades em encontrar a entrada.
- E tu, onde aprendeste essas histórias?
- Esta vem no Talmud, em qualquer parte da Mishá.»
Primo Levi, Se Não Agora, Quando?



















